Por Carlos Martins Nabeto
Fonte: Agnus Dei
INTRODUÇÃO
Uma das maiores disputas entre
católicos e protestantes é, sem dúvida alguma, quanto ao uso das imagens
sagradas na Igreja de Deus. Desde o princípio, a Igreja Católica sempre
defendeu seu uso, ao contrário da esmagadora maioria das igrejas protestantes
que preferem encarar o problema como um insulto ao Mandamento divino que proíbe
confeccionar imagens (Ex 20,4). Não raro, costumam a chamar os católicos de idólatras, ou seja, adoradores de ídolos, como se as imagens
fossem algum tipo de ídolo ou - pior ainda - dando a entender que a Igreja
Católica ordena adorar essas imagens.
Diante de tal matéria, qual dos lados
estaria com a razão? Estaria a Igreja Católica infringindo o Mandamento de Ex
20,4 ou estaria a Igreja aplicando-o conforme a vontade de Deus? Este artigo
visa, especificamente, esclarecer tal questão, tomando como base as dezenas de
perguntas que já respondi, principalmente aquelas formuladas por nossos irmãos
separados.
IMAGEM
Antes de mais nada, convém explicar o
que é uma imagem.
A imagem é muito mais do que uma
simples escultura: na verdade é qualquer coisa que permite excitar a nossa
vista, pouco importando se é uma escultura, um desenho, uma pintura, um objeto.
Até mesmo os dicionários não religiosos são unânimes em afirmar que a imagem é a representação de um objeto pelo desenho, pintura, escultura, etc. Logo, uma pintura de
Michelangelo é uma imagem da mesma forma que o desenho do tio Patinhas e o
busto do Duque de Caxias também o são, de modo que não importa se a imagem está
em "segunda dimensão" (podendo ser representada num plano x-y) ou em "terceira dimensão" (representada no plano x-y-z), mas que ela excite a vista e, por consequência, a imaginação, que é a capacidade de conceber abstratamente aquilo que é concreto,
real.
Desta forma, uma imagem - principalmente
a imagem religiosa - encerra um sentido muito mais profundo do que o próprio
objeto. Ela, sem precisar - necessariamente - fazer uso da palavra, consegue
falar e sensibilizar as pessoas com muito mais facilidade que ótimos oradores,
pois carrega uma linguagem própria que nem sempre precisa excitar nossos
ouvidos. É inegável o poder de persuasão da imagem: a TV (imagem) não suplantou
o rádio (palavra)? São Paulo não se converteu ao Evangelho graças à visão
resplandescente de Cristo no caminho de Damasco? Quantos homens também não se
converteram por um simples olhar para uma imagem ou crucifixo mudos no interior
de uma igreja? Até mesmo a Bíblia afirma que o homem foi feito à imagem e semelhança de Deus (cf. Gn 1,26-27). Vemos, assim, que o
velho ditado "uma imagem vale mais do que mil
palavras" é mais do que verdadeiro: é uma realidade.
ÍDOLO
Ídolo não é - e jamais
foi! - sinônimo de imagem. Ambos são distintos
e inconfundíveis...
Ao contrário da imagem, que excita a vista, o ídolo é aquilo que substitui o único e verdadeiro Deus. Um bom exemplo, que confirma a nossa tese, é
o episódio do bezerro de ouro narrado em Ex 32: como Moisés demorava para
descer do Monte Sinai, os hebreus fugitivos do Egito não tardaram a
confeccionar um bezerro em ouro, a quem cultuaram como se fosse o verdadeiro
Deus.
"O povo
reuniu-se em torno de Aarão e lhe disse: 'Vamos! Faze-nos deuses que caminhem à
nossa frente...'. Aarão lhes disse: 'Tirai os brincos de vossas mulheres,
vossos filhos e vossas filhas, e trazei-os a mim'. [...] Recebendo o ouro, ele
o moldou com o cinzel e fez um bezerro fundido. Então eles disseram: 'Aí tens,
Israel, os deuses que te fizeram sair do Egito!' [...] Levantando-se na manhã
seguinte, ofereceram holocaustos e apresentaram sacrifícios pacíficos" (Ex 32,1b-2.4.6a).
Esses versículos permitem-nos
distinguir os elementos que caracterizam o ídolo:
·
Confunde-se com o verdadeiro e único
Deus.
·
São-lhe atribuídos poderes
exclusivamente divinos.
·
São-lhe oferecidos sacrifícios devidos
ao verdadeiro Deus.
Percebamos
bem como o milagre da fuga do Egito foi atribuído ao objeto que tinha a imagem
de um bezerro de ouro. Notemos também como esse bezerro passa a substituir o
verdadeiro e único Deus assim como também lhe são oferecidos sacrifícios devidos
a Deus.
Observando
isto com muito cuidado e sem preconceitos, podemos reparar que o culto prestado
ao bezerro de ouro bem como a proibição bíclica de confeccionar imagens de
ídolos não podem ser confundidos contra as imagens cristãs, uma vez que falta-lhes
os elementos que as constituam como ídolos: quando a Igreja Católica afirmou
que devemos adorar as imagens dos santos? Quando a Igreja atribui-lhes poderes
de salvar a humanidade do pecado ou conferiu-lhes título de todas-poderosas?
Quando a Igreja prestou-lhes culto de adoração?
Vemos,
assim, que a imagem não implica na superstição como obriga o ídolo, que
substitui Deus atribuindo ao objeto ou à coisa imaterial poderes que ele por si
só não possui. A imagem é um objeto que lembra algo fora dele; o ídolo é o ser
em si mesmo. A quebra de uma imagem não destrói o ser que representa; já a
destruição de um ídolo implica da destruição da falsa divindade.
LATRIA x
DULIA
Uma vez
apresentadas as diferenças entre imagem e ídolo, faz-nos
necessário situá-los em seu verdadeiro contexto religioso, isto é, demonstrar o
respeito que cabe a cada um deles.
Para isto,
precisamos distinguir entre latria e dulia. Antes, porém, gostaria de observar que, oportunamente, pretendo
disponibilizar um artigo onde são estudadas mais profundamente as diferenças
entre os dois tipos de conceito. Para o momento, entretanto, basta mencionar a
diferença básica.
·
Latria: significa adoração e é o culto devido exclusivamente
ao verdadeiro e único Deus, nosso Criador e Salvador. Na adoração, reconhecemos
Deus como Todo-Poderoso e Senhor do universo.
·
Dulia: significa homenagem, veneração. São dignas de veneração, no campo
religioso, os santos e todas as criaturas que, neste mundo, fizeram e fazem a
vontade do Pai, por se tornarem nossos modelos de fé e caridade.
Uma visão
clara sobre o assunto pode ser retirada de um antigo manual de religião
publicado em 1858 em Portugal:
"Cumpre venerar (=dulia) todos os Sanctos que estão no céo,
como a servos e amigos de Deus; porem invocando-os e venerando-os
(=dulia), não os adoramos (=latria), e fazemos sempre grande
differença entre Deus e as creaturas. Rogando aos Sanctos não os olhamos
nem consideramos senão como nossos intercessores para com Jesu-Christo, que é o
Medianeiro que nos remio com seu sangue, e por quem podemos sêr ouvidos e
alcançar a salvação" (Manual
Portuguez, ed. d'Aguiar Vianna, Lisboa, Portugal, 1858, pág. 17).
Tal texto é
muito interessante porque explica em poucas linhas, mas com grandes detalhes a
diferença básica entre adoração/latria e veneração/dulia: a primeira é
destinada ao Criador, a segunda - bem inferior à primeira - às criaturas servas
e amigas de Deus. Adoramos a Deus porque Ele é todo-poderoso e nosso Salvador;
veneramos os santos - representados nas imagens - porque seus exemplos de vida
nos apontam para o verdadeiro caminho: Jesus Cristo (cf. Jo 14,6), único
Mediador e Redentor da humanidade.
Assim, se
passarmos a adorar uma criatura (seja ela criatura de Deus ou criatura do
próprio homem) estaremos cometendo o pecado da idolatria, severamente punido por Deus. Um bom exemplo disto são as pessoas que
atribuem todo poder ao dinheiro, acreditando que ele pode com tudo neste mundo: um caso não muito raro de
idolatria nos dias de hoje!
A BÍBLIA
CONDENA AS IMAGENS?
Depende do
contexto!
Se
folhearmos a Bíblia, encontraremos várias passagens onde as imagens são
condenadas. Por ex.: Ex 20,4-5; Lv 26,1; Dt 7,25; Sl 97,7; 115,8...
Estaria,
portanto, a Igreja Católica errada ao permitir a colocação e o uso de imagens
em seus templos e nas casas dos fiéis?
Ora, a
Igreja Católica é a única Igreja que possui ligação direta com os tempos
apostólicos; ela também ficou responsável pela guarda do depósito da fé, em
especial das Sagradas Escrituras. Certamente, se quisesse mesmo agir contra a
Palavra de Deus, adulteraria a Bíblia nessas passagens que condenam as imagens.
O livro da Sabedoria - não reconhecido como Inspirado pelos protestantes, mas
apenas pelos cristãos católicos e ortodoxos - condena, como nenhum outro livro
do Antigo Testamento, a idolatria (cf. Sb 13-15). Não seria mais fácil para ela
fazer como os protestantes e repudiar o citado livro?
E por que
não o fez? Simplesmente porque a Bíblia deve ser lida dentro de seu contexto e
de forma completamente imparcial!
Dessa forma,
perceberemos que a própria Bíblia também defende o uso de imagens! Veja-se, por
exemplo: Ex 25,17-22; 37,7-9; 40,18; Nm 21,8-9; 1Rs 6,23-29.32; 7,26-29.36;
8,7; 1Cr 28,18-19; 2Cr 3,7.10-14; 5,8; 1Sm 4,4; 2Sm 6,2; Sb 16,5-8; Ez
41,17-21; Hb 9,5...
Como compreender
essa curiosa "contradição", já que o texto do Êxodo parece ser tão
contundente:
"Não farás para ti ídolos, nem figura alguma do que existe em cima,
nos céus, nem embaixo, na terra, nem do que existe nas águas, debaixo da
terra" (Ex 20,4)
Fácil...
Observando sempre os critérios de contexto e imparcialidade, devemos saber
quando e em quais casos as imagens são proibidas ou aceitas.
Analisemos,
primeiro, o mandamento acima, repetido novamente em Dt 5,8 fala explicitamente
de ídolo que, conforme vimos, é aquela coisa material ou imaterial que é
colocado para substituir o verdadeiro Deus. Em Dt 13, temos a confirmação de
que a função do ídolo é ser Deus; são os chamados falsos deuses. Mesmo com o mandamento acima, podemos perceber que os israelitas eram
inclinados à idolatria, tendo-se em vista que eram escravos no Egito onde,
mesmo mantendo a fé, assimilaram muitos costumes religiosos desse país, como
prova a passagem do bezerro de ouro, onde este é confeccionado em virtude de
uma simples demora da parte de Moisés.
Isto
justifica a existência de um mandamento contra a idolatria: Israel estava
cercada de nações pagãs, politeístas e idólatras; cultuava-se o sol, os astros,
os crocodilos, os reis, os gatos, etc. O verdadeiro povo de Deus devia se
afastar de tudo isso pois era monoteísta!
Tentemos,
agora, compreender porque a mesma Bíblia que proíbe, também permite a confecão
de imagens. Para isso, vamos recorrer a Nm 21,4-9, onde o próprio Deus ordena a
Moisés a fabricar uma serpente de bronze para curar todos aqueles que para ela
olhassem e tivessem sido picados por cobras no deserto. Neste caso a imagem não
serviu para afastar o povo de Deus, mas para aproximá-lo, para demonstrar o Seu
poder, sem contudo fazer esquecer o real motivo das picadas: o descontentamento
de Deus com a teimosia de seu povo (v.5).
Alguém
poderia objetar: "Mas
2Rs 18,4 mostra que essa serpente foi depois destruída por Ezequias e que esse
gesto agradou a Deus (v.3)!". Contudo,
tal argumentação é descabida porque em Ex 21,8 vemos que a serpente também foi
confeccionada por ordem direta do Senhor a Moisés... Na verdade, o gesto de
Ezequias pode ser compreendido pelo contexto do mesmo versículo 4 de 2Rs 18: a
serpente de bronze deixara de cumprir a função de aproximar o povo de Deus e passara
a ser vista como uma deusa: adquirira o nome de Noestã e incenso (símbolo de
culto à divindade) era-lhe dedicado. Em outras palavras, a imagem da serpente
(símbolo da compaixão de Deus Salvador para com seu povo) virara ídolo,
substituindo o verdadeiro Deus Javé pela nova deusa "salvadora"
Noestã: um crime flagrante contra o Mandamento que condena a idolatria. É
desnecessário mencionar que esse desvirtuamento da função da serpente de bronze
foi culpa única e exclusiva do povo que passou a idolatrá-la. Isso, porém, de
forma alguma legitima ou justifica a destruição ou retirada das imagens
sagradas!
Logo, o que
a Bíblia condena é a idolatria, a substituição de Deus por uma criatura, isto
é, o uso negativo da imagem que fazem as pessoas a terem uma idéia errônea
sobre Deus. Se o uso for positivo, aproximando as pessoas do verdadeiro Deus,
então seu uso é justificado e permitido. A imagem simplesmente ajuda a criar um
clima favorável à oração e é um meio eficaz de evangelizar principalmente os
pobres e iletrados.
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